Nesta seção abordaremos a gestão da dívida ativa, um tema imprescindível para a Administração Pública, que nem sempre tem recebido a devida atenção. Constitui um montante considerável de créditos a recuperar e que, se cobrados, possibilitaria com que muitos municípios terminassem o exercício fiscal com dinheiro em caixa e cumprindo o previsto no orçamento.
A dívida ativa é o crédito da Fazenda Pública que não foi recebido nas datas aprazadas e se divide em tributária e não tributária. A tributária é proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, já a não tributária, é oriunda dos demais créditos e multas de qualquer origem ou natureza.
Contabilmente, a Dívida Ativa integra o grupamento de Contas a Receber e constitui uma parcela de grande destaque do Ativo na estrutura patrimonial de qualquer órgão ou entidade pública.
Após sua inscrição, a Dívida Ativa goza de presunção de certeza e liquidez e caracteriza prova pré constituída contra o devedor. A inscrição confere legalidade ao crédito e passa a ser dívida passível de cobrança pelos Entes Públicos. Ressalta-se que a certeza e liquidez é relativa, cabendo ao sujeito passivo desconstituí-la. A partir da inscrição, se extrai a Certidão da Dívida Ativa (CDA) prevista no Código de Processo Civil como título executivo extrajudicial (art. 585, VII).
Geralmente alguns municípios promovem a inscrição da dívida ativa após o término do exercício financeiro. Outros, entretanto, inscrevem apenas os créditos oriundos de fiscalização, o que não é o recomendável. Apesar desses procedimentos citados, a inscrição poderia ocorrer no primeiro dia subsequente à inadimplência do devedor.
A DÍVIDA ATIVA E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL:
A Secretaria do Tesouro Nacional – STN divulgou em 2014 os dados do Finanças do Brasil – Finbra, revelando que o estoque da dívida ativa dos municípios pode ter crescido cerca de 55% nos últimos 5 anos, estimando-se que em 2014 esse montante pode ter se aproximado dos R$ 241 bilhões, enquanto a receita dos créditos tributários e não tributários arrecadados pode ter alcançado, apenas o valor de R$ 6,97 bilhões. Isso significa que para a maioria dos municípios, o estoque da dívida ativa pode representar 35 vezes o valor da receita realizada.
Esses valores são significativos e representam importante fonte de recursos para os municípios e a sua recuperação possibilitaria aos gestores públicos atenderem às necessidades da população.
Embora esses créditos sejam negligenciados, vejamos o que diz a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF 101/2000) em seu artigo 13:
“Art. 13. No prazo previsto no art. 8º, as receitas previstas serão desdobradas pelo Poder Executivo, em metas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa”.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM)ressalta a importância da cobrança desses recursos pelos municípios, que são líquidos e certos, e destaca alguns dos principais motivos alegados para não efetuarem a cobrança:
I – Problemas de estrutura física e falta de recursos humanos capacitados com conhecimento teórico e prático;
II – Falta de recursos tecnológicos – falhas na emissão da Certidão da Dívida Ativa (CDA) e inconfiabilidade dos dados;
III – Falhas na fiscalização executada pelas administrações;
IV – Desgaste político;
V – Dificuldades na localização de contribuinte devedor;
VI – Dificuldades em localizar bens que satisfaçam o crédito público e o aspecto econômico da sociedade local.
É importante lembrar que à vista de recessões econômicas o poder aquisitivo do contribuinte decai, o que aumenta a inadimplência. Entretanto, vale aqui um lembrete: Quem paga o imposto é o CONSUMIDOR FINAL (contribuinte de fato), ou seja, o contribuinte (de direito) deveria apenas repassar o valor que já foi cobrado e pago.
COBRANÇA E GESTÃO DA DÍVIDA ATIVA:
Hoje, a Administração Pública dispõe de vários mecanismos de gestão e cobrança dessa receita, vejamos:
Protesto da Certidão de Dívida Ativa – CDA:
Este tema já foi espinhoso no passado, entretanto, hoje está pacificado, inclusive, com julgado recente pelo Supremo Tribunal Federal da ADI 5135, no dia 09 de novembro de 2016, que julgou constitucional o protesto das CDA´s em ação movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Ressalta-se que um dos pontos fixados pela Suprema Corte no julgamento é de que a utilização do protesto pela Fazenda Pública para promover a cobrança extrajudicial de CDA´s é para acelerar a recuperação de créditos, não impedindo o funcionamento das empresas e é menos invasiva que a ação judicial de execução fiscal, que permite a penhora de bens e o bloqueio de recursos nas contas dos contribuintes inadimplentes.
O protesto das CDA´s está previsto na Lei nº 9.492/97, alterada pela Lei nº 12.767/2012, que diz:
“Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
Os Tribunais de Justiça já vinham recomendando a adoção pela Administração Pública dessa eficiente medida de cobrança da dívida ativa, a qual também recomendamos.
EXECUÇÃO FISCAL – LEI Nº 6.830/80.
Esta lei dispõe sobre os requisitos do Termo de inscrição e a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.
Apesar de muitos municípios adotarem a execução fiscal para a cobrança da dívida ativa, esse não é o caminho mais rápido, eficiente ou menos oneroso para a Administração Pública, haja vista que tem se mostrado moroso e ao final quase sempre se mostra inócuo, pois não encontra bens que garantam o pagamento do débito, bem como sequer o devedor, devido às falhas nos cadastros municipais, seja mobiliário, imobiliário ou o domicílio do devedor.
Frisa-se, inclusive, que o ministro Barroso, no julgamento da supracitada ADI, destacou que a redução de cobranças judiciais deve fazer parte do
esforço de desjudicialização das execuções fiscais, pois, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, cerca de 40% das ações em tramitação no País são dessa categoria.
SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO: SERASA – SCPC.
Alguns municípios já adotam a prática de enviar o nome dos inadimplentes aos órgãos de proteção ao crédito citados acima e, assim como o protesto de CDA´s, vêm se mostrando meios eficientes para a recuperação de créditos para a Administração Pública. Entretanto, não são utilizados devido à sua inconveniência política.
COBRANÇA ADMINISTRATIVA:
No âmbito municipal, algumas medidas podem ser tomadas pelos gestores visando a recuperação de seus haveres, vejamos algumas:
• Recadastramento no município visando atualizar o cadastro municipal e propiciar a localização dos devedores em caso de execução fiscal;
• Realização de conciliações extrajudiciais;
• Instituir programas de parcelamento ou REFIS;
• Anexar no carnê de IPTU, boletos relativos aos débitos em nome do contribuinte.
CONTROLE: SISTEMAS INFORMATIZADOS DE GESTÃO DA DÍVIDA ATIVA.
Hoje, existem no mercado sistemas informatizados de gestão e cobrança da Dívida Ativa, propiciando aos gestores o controle dessa importante receita, gerenciando seus créditos, prazos e processos. Dessa forma, não há que se falar em falta de recursos tecnológicos, mas sim uma melhor gestão dos recursos disponíveis.
Não custa lembrar que: agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, é considerado ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, inciso X da Lei nº 8.429/92.
Finalizando, acreditamos que deve-se mudar acultura de liberalidade com o devedor, pois, causa um efeito negativo junto ao bom pagador, que pode não encontrar motivos para honrar seus compromissos junto à Fazenda Pública, o que acarreta aumento da inadimplência e, consequentemente, menos recursos para os gestores municipais realizarem as melhorias necessárias e atendimento das necessidades de seus munícipes.
[avatar user=”Sandra Regina de Oliveira da Silva” size=”original” align=”left” link=”file” /]Sandra Regina de Oliveira da Silva
Consultora Graduada em Direito com Pós-graduação em Gestão Pública e Direito Processual Civil e Direito do Trabalho