Recentemente, nos foi solicitado um parecer em relação a um Mandado de Segurança impetrado por uma empresa Administradora de Consórcios contra uma Prefeitura com o propósito de deixar de recolher o ISSQN devido em 2017, em virtude da publicação da Lei Complementar nº 157/2016.
Gostaríamos de compartilhar algumas informações aqui, com as identificações ocultas, pois é possível que ocorra com outros Entes Municipais.
Segue um resumo do objeto demandado pelo contribuinte. Em seguida, iremos tecer comentários sobre o assunto que podem servir como auxílio na defesa de alguma Prefeitura:
1. O contribuinte impetrou a ação com o objetivo de deixar de pagar o ISSQN dos serviços prestados no item 15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres;
2. O impetrante tem como motivação para deixar de recolher o referido imposto, a publicação da Lei Complementar nº 157/2016 com a derrubada dos vetos presidenciais;
3. Informa que a alteração do critério espacial da Regra Matriz de Incidência Tributária do imposto relacionado ao referido item tem sua vigência a partir de 01/06/2017;
4. Alega, por fim, que, com a falta de legislação municipal que se adeque a LC 157/2016, a Prefeitura não poderá exigir o ISS do item 15.01.
Entendemos que os argumentos do contribuinte não merecem prosperar pelos seguintes motivos:
Da Vigência da Lei Complementar nº 157/2016
Vigência não pode ser confundida com eficácia, que por sua vez, não pode ser confundida com aplicação das normas jurídicas. Viger é ter força para disciplinar, a vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, contudo, dependem de normas que dispõe dessa aptidão, ou seja, que possibilitem a eficácia desses efeitos.
É exatamente o que ocorre com o caso em tela. Para que as disposições contidas na LC 157/2016 produzam efeitos é necessário que o município cumpra, necessariamente, com determinados requisitos, conforme iremos discorrer adiante.
De fato, a Lei Complementar nº 157/2016 entrou em vigor em junho de 2017 referente aos dispositivos que haviam sido vetados, contudo, sua simples publicação não autoriza aos municípios efetuarem uma cobrança imediata, pois há a necessidade de se respeitar os princípios constitucionais tributários, quais sejam relacionados ao tema, o princípio da legalidade, princípio da anterioridade e a segurança jurídica:
Princípio da Legalidade Tributária
Por este princípio dizemos que ninguém será compelido a cumprir um dever instrumental tributário sem que esteja disposto em Lei instituída pela pessoa política competente. Esta interpretação se depreende do art. 150, inciso I, da Constituição Federal, onde diz que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Isso quer dizer que, a Administração Tributária Municipal deve criar uma lei para que seja autorizada a cobrança do ISS nos moldes inseridos pela LC 157/2016, uma vez que a competência para a instituição do referido imposto está disposta expressamente no art. 156, inciso III, da Constituição Federal.
O fato de uma Lei Complementar Federal ter estabelecido regras quanto ao ISSQN não quer dizer que houve uma interferência ou mudança do Ente competente de tal tributo. Isso ocorre pelo fato da própria Constituição Federal determinar que cabe a Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, conforme disposto em seu art. 146, inciso III.
Princípio da Anterioridade
Não basta o Ente competente produzir a Lei. É preciso respeitar outro princípio, que é o da anterioridade, conforme preleciona o Professor Paulo de Barros Carvalho: “… a vigência da lei que institui ou aumenta o tributo deve ficar protraída para o ano seguinte ao de sua publicação, momento em que o ato se insere no contexto comunicacional do direito.” (Curso de Direito Tributário, ed. 18ª, pág. 167, Ed. Saraiva).
Isso quer dizer que, como a Lei Complementar nº 157/2016 foi publicada em 2017 quanto aos vetos derrubados, o município passou a ter ciência das mudanças somente nessa data, e respeitando os princípios da legalidade e anterioridade só poderá exigir o tributo na forma estabelecida no exercício seguinte.
Princípio da Segurança Jurídica
É preciso obedecer aos princípios anteriores para garantir a estabilidade nas relações jurídico-tributárias, ou seja, o contribuinte não pode ser pego de surpresa por regramentos estabelecidos da noite para o dia.
Conforme exposto, há a necessidade de o Município obedecer aos requisitos acima, contudo, isso de forma alguma dispensa ou desobriga o contribuinte de cumprir com as obrigações acessórias e principais estabelecidas pela regra atual. As disposições da Lei Complementar nº 157 somente poderão surtir efeitos a partir do início do exercício de 2018. Enquanto isso, a impetrante deverá recolher o imposto na forma que a Lei municipal estabelece. O Código Tributário Nacional, em seu art. 144, assim prescreve:
“Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”
É o princípio conhecido como tempus regit actum. Desta forma, o tributo tem que ser apurado de acordo com a legislação vigente na data do fato gerador da obrigação tributária.
Diante o exposto a alegação do contribuinte não merece respaldo. O fato de existir uma norma geral complementar que ainda não foi regulamentada por legislação municipal, não possui o condão de imunizá-lo, isentá-lo ou afastar a incidência tributária do imposto. É necessário que o mesmo cumpra com suas obrigações no decorrer do exercício de 2017 de acordo com as regras municipais estabelecidas, uma vez que o município também deve respeitar as regras determinadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Esperamos que com esse breve comentário possamos levar ao conhecimento e eventualmente subsidiar a quem interessar com respostas à uma possível demanda judicial.
[avatar user=”Thiago Fernandes” size=”original” align=”left” link=”file” /]Thiago Fernandes
Consultor, Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET